A morte por violência inaceitável e criminosa de um negro, e a morte de uma cadelinha, deram fim, ao menos no Brasil, a uma das mais brilhantes carreiras de gestores do varejo em nosso país. Noël Prioux, Carrefour, foi, literalmente, recolhido, e, retornou à França.

É o protagonista de uma das mais que emblemáticas lições do ambiente corporativo de todos os tempos em nosso país. De nada adianta tomar as melhores decisões, realizar aquisições monumentais e emblemáticas, apresentar crescimento e lucro fabulosos, se não conseguir prevenir danos insuportáveis à imagem da marca.

E assim, com seu Carrefour coberto de glórias e sucessos, mas sua marca sangrando, Noël Prioux, 62, arrumou as malas e voltou para a França, Paris, a tempo de passar o Réveillon de 2021 na cidade luz. Em seu lugar, Stéphane Maquaire, 47, ex-presidente do grupo na Argentina.

Hoje, e depois de Prioux, o Carrefour consolida sua liderança em nosso país, no varejo alimentar. Muito especialmente e devido as aquisições de peso como as do Makro e BIG. Assim, Prioux despediu-se deixando a Carrefour Brasil como a unidade de maior importância de todo o grupo e em todo o mundo, e apenas atrás da França. Mas não foi e jamais será suficiente. Por decorrência, recolhido à matriz.

Prioux chegou ao Carrefour anos atrás e para cuidar dos serviços financeiros do Grupo em Paris, e depois foi cumprir missões de comando na Turquia, Colômbia, Espanha, Sul da Ásia. Em 2017 foi nomeado presidente do Carrefour Brasil, e diretor-executivo do grupo para toda a América Latina. No momento em que se preparava para a despedida do Brasil, ou, retorno à França, concedeu entrevista à Folha, a Daniele Madureira, e onde fizemos as seguintes anotações:

  • O que aconteceu com a clientela do Carrefour no Brasil durante a pandemia – “Menos visitas às lojas, e mais compras. As saídas passaram a ser mais planejadas, para comprar o máximo de cada vez. Foi uma responsabilidade e tanto implantar e manter regras de distanciamento, contar o número de clientes dentro da loja, e seguir todos os protocolos de segurança. Também mudamos nossas promoções. Antes concentravam-se nos finais de semana, agora são distribuídas por todos os dias. Não existe mais o dia certo, ou, o melhor dia. Nos tornamos mais presentes nas redes sociais para anunciar nossas promoções, e na medida em que tínhamos menos público nas lojas para receberem panfletos. Tivemos que melhorar nosso desempenho no online. Em 15 dias estávamos mais que preparados para responder as novas demandas dos clientes. Para toda a lista de compras, inclusive e principalmente comida. E fizemos parcerias com os aplicativos de entrega para abreviar o tempo das compras.

O fenômeno Atacadão, criado para abastecer o pequeno varejo, e hoje, tomado pelas pessoas – “Hoje, diz Prioux, temos dois movimentos diferentes e orientados a preço. No primeiro, a busca pelo Atacarejo, as pessoas buscando maior quantidade pelo menor preço. E o outro a valorização da marca própria. Sintetizando, os clientes estão mais sensíveis ao preço”.

Heranças ou mudanças institucionalizadas em decorrência da pandemia – “Os clientes passaram a ficar em casa duas ou três vezes por semana. Assim, e mesmo num cenário de pandemia sobre controle, as pessoas vão cozinhar mais vezes. Outra e nova componente é a busca crescente por produtos naturais, associando produtos mais baratos e mais saudáveis. Com bares e restaurantes fechados o consumo de bebida aumentou, muito especialmente o de vinho, 30%, e parte disso deve permanecer. Por outro lado, as pessoas preferem, no caso dos hortifrutis, tudo o que conte com produtores locais ou próximos. Nas lojas onde isso acontece, mais de 30% vêm dos produtores locais.

Digital x Analógico – Direto aos números. Hoje, no Carrefour, nos produtos não alimentares, as compras pela internet já representam 34% do total. Já os alimentos, e por enquanto e apenas, 6%. E também falou sobre a tragédia de 2020. Disse Prioux, “Realmente foi uma tragédia um homem negro ter sido morto por seguranças contratados em uma das lojas do Carrefour de Porto Alegre. Assumimos nossa responsabilidade. Não podemos mais aceitar situações desse tipo. A primeira providência foi ajudar as famílias, fazer tudo o que fosse possível. Decidimos mudar por completo nosso sistema de segurança. Não queremos mais segurança, queremos pessoas ajudando e orientando pessoas. Assim, encerramos com a terceirização, e já a partir de setembro a segurança do Carrefour passou a ser feita pelo Carrefour, com equipe própria, com exceção dos estacionamentos, onde somos proibidos por lei de cuidar da segurança. Na medida em que a função muda, o perfil muda. Estamos recrutando pessoas para nossa segurança que sejam capazes de dialogar com o cliente, que não se estressem diante de qualquer situação, e que haja com tranquilidade, agressividade zero, mesmo diante de um furto…

E sobre o Brasil e os brasileiros – “A cultura brasileira é espetacular: as pessoas, a música, a comida. É um tesouro nacional, temos que preservar…”.

Assim, fez e foi, em sua permanência vitoriosa como negócio em nosso país, e trágica por dois acidentes de percurso, Noël Prioux. Alguns erros, ou, acidentes de percurso, são inaceitáveis.

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