A Segunda morte de Paulo Machado de Carvalho

Desde que cheguei de Bauru, eu, Francisco Madia, fui morar em Higienópolis. Comecei pela Rua São Vicente de Paula, depois casado, Martim Francisco, Sabará e hoje Bahia. Durante anos, num determinado momento do dia, testemunhava um avô indo levar e buscar seu neto na escola, num lindo e gigantesco Chevrolet. Era o Dr. Paulo Machado de Carvalho, cuidando de seu neto, Paulo Machado de Carvalho Neto. O Paulito. Cenas de Higienópolis, anos 1950/1960. Dr. Paulo, e o Paulito.

Depois de uma obra empresarial espetacular na radiodifusão de nosso país, Dr. Paulo deu um jeito no irresponsável e inconsequente futebol brasileiro. Deu uma ordem na bagunça. E as conquistas foram se sucedendo. Mais que merecidamente, teve seu nome escolhido para rebatizar uma das obras antológicas da cidade de São Paulo, e do futebol em todo o mundo, o Estádio Municipal do Pacaembu.

No dia 27 de abril de 1940, foi inaugurado o então Pacaembu, com a presença de Getúlio Vargas, presidente da república, do interventor Ademar de Barros, e do prefeito Prestes Maia. Mais de 50 mil pessoas presentes, e pela primeira vez o registro do que caracterizaria o futebol brasileiro para sempre. A vaia. Getúlio foi vaiado pela maioria dos presentes.

Primeira partida da história do Pacaembu, Palestra Itália e Coritiba. Vitória do Palestra por 6 a 2, e o primeiro gol do Pacaembu, assinado por Zequinha do Coritiba. Dias depois, 4 de maio, o primeiro Palestra x Corinthians. Vitória do Palestra por 2 a 1.

Nesse mesmo Pacaembu, anos depois, vi o melhor jogo de futebol de todos os tempos, Palmeiras e Santos. E olha que assisti todos os jogos do Pelé no Baquinho, na cidade de Bauru, e onde as contagens eram estratosféricas… Esse Santos e Palmeiras aconteceu na noite de 6 de março de 1958, torneio Rio-São Paulo, e na arbitragem João Etzel Filho.

Palmeiras 1 x 0 (Urias). Santos 1 x 1. (Pelé). Santos 2 x 1. (Pagão). Palmeiras 2 x 2 (Nardo). E aí uma espécie de massacre… Santos 3 x 2 (Dorval), Santos 4 x 2 (Pepe), Santos 5 x 2 (Pagão)

Termina o primeiro tempo. 5 a 2 para o Santos. Na quarta anterior o Palmeiras começou perdendo e virou sobre o Vasco. No domingo aconteceu o mesmo e virou sobre o Fluminense. A torcida não perdia as esperanças. Começa o segundo tempo. Palmeiras 3 x 5 (Paulinho), Palmeiras 4 x 5 (Mazzola), Palmeiras 5 x 5 (Mazzola), Palmeiras 6 x 5 (Urias). A torcida do Palmeiras não acreditava no milagre. Que durou pouco. Santos 6 x 6 (Pepe), Santos 7 x 6 (Pepe). E Edson Leite, na Bandeirantes, urrava, “Milagre no Pacaembu. O maior espetáculo jamais visto em toda a história do futebol…”.

Isso posto, e feito o intervalo no meu comentário para celebrar o dia em que o futebol viveu sua maior epifania, volto a uma mais que merecida homenagem. Pelas contribuições inestimáveis e definitivas dadas ao futebol brasileiro, com todas as razões e merecimentos, o Dr. Paulo Machado de Carvalho passou a ser a denominação oficial do Pacaembu. No ano de 1961, e em decreto da Prefeitura Municipal de São Paulo.

Paulo Machado de Carvalho, um pequeno grande homem, de verdade, um gigante, formado em direito pela São Francisco, morreu pela primeira vez no dia 7 de março de 1992, aos 90 anos de idade. No dia 16 de setembro de 2019, o Estádio Dr. Paulo Machado de Carvalho foi privatizado. Venceu a licitação o consórcio Patrimônio, e assim serão os próximos 35 anos.

E meses atrás, outubro de 2020, li nos jornais que uma empresa, “a Allegra Pacaembu”, que no mês de janeiro assumiu a gestão do complexo esportivo, contratou a XP Investimentos para a estruturação financeira do negócio e a coordenação e venda do “naming rights”. Conclusão, constrangidos, registramos a segunda morte anunciada do Marechal da Vitória.

É isso mesmo? Uma conquista de proporções monumentais e que mudaram para sempre e para melhor a história do futebol brasileiro, com uma justa e decorrente homenagem, resiste poucas décadas?… Olho agora para a fotografia do velho e querido estádio. Está lá, como dizem os portugueses. No alto, em baixo do relógio, e acima das colunas da estrada, escrito, Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho.

É isso mesmo que estou entendendo? Vão tirar o nome do Dr. Paulo do velho e querido estádio? É possível vender-se duas vezes uma mesma denominação? É possível pedir de volta o que foi concedido por total justiça e merecimento? Você compraria o naming rights decorrente de um suposto estelionato?

Tags:

3 thoughts

  • Meu caro Madia! É por isso que o Brasil será, eternamente o país do futuro que nunca chega. O futuro está alicerçado no passado e na história. Nós destruímos a cada momento nosso passado, seja por ambições imobiliárias, por motivações políticas duvidosas ou, simplesmente por mediocridade.

  • Ola Madia, creio que antes de mais nada devemos entender exatamente o que se pretende com esses “naming rights”. Em minha opinião existe uma enorme diferença entre algo que nasce com um nome de batismo e outra que é tentativamente e comercialmente renomeada. Meu ponto é que dificilmente um novo nome ganha aderência entre consumidores tradicionais como é o caso do futebol, por exemplo. Vide o caso do estadio do Palmeiras. Quem é que se refere a ele como Allianz Arena????? o que pegou mesmo foi a Arena, por ser uma nomenclatura atual e sofisticada, mas a verdade é muito Arena Palmeiras ou Arena Palestra. O mesmo se passa com a Arena Corinthians. Quanto ao fica o nome na fachada ou vira placa simbólica, o nome Paulo Machado de Carvalho sempre estará ligado ao Pacaembu, seja pela imprensa, ou pelo publico em geral. Da mesma forma que Cicero Pompeu de Toledo ou Urbano Caldeira estarão sempre ligados às homenagens que lhes foram feitas e que são eternas.
    Espero ter colocado um pouco mais de polemica nessa discussão.
    Abs
    Luiz Andrade

Deixe uma resposta